Altas habilidades em foco: como identificar e incluir estudantes superdotados?
É cada vez mais comum nos impressionarmos com as habilidades e os conhecimentos das crianças e adolescentes, especialmente diante da facilidade com que lidam com tecnologias, aprendem sozinhos por meio da internet ou demonstram interesse por assuntos específicos desde muito cedo, não é mesmo?! No entanto, vale destacar: embora esses comportamentos estejam diretamente ligados à inteligência e à curiosidade, eles nem sempre são indicativos de altas habilidades ou superdotação.
Esse assunto, na verdade, costuma despertar muitas dúvidas nos pais, responsáveis e professores – afinal, como diferenciar um aluno curioso e talentoso de alguém que realmente apresenta características fora da curva? Reconhecer os sinais de superdotação (ou de altas habilidades) exige olhar atento, sensibilidade e informação adequada para identificar potenciais que, muitas vezes, passam despercebidos no cotidiano escolar.
Para entender melhor esse assunto e descobrir, de fato, quando uma criança ou adolescente é considerada superdotada, que tal começarmos do começo?
Compreendendo o que são altas habilidades e superdotação
Antes de tudo, é importante desmistificar o conceito de altas habilidades e superdotação. Diferente do que muita gente pensa, ser superdotado vai muito além de tirar notas altas, dominar um conteúdo ou aprender com facilidade. A superdotação envolve um conjunto de características cognitivas, criativas, socioemocionais e motivacionais que se manifestam de maneira diferenciada.
Embora muitos profissionais considerem que apenas crianças com QI (Quociente de Inteligência) acima da média possam ser classificadas como superdotadas, essa visão não é unânime. Diversos especialistas defendem uma abordagem mais ampla, que também reconhece como superdotadas aquelas crianças que demonstram altas habilidades em diferentes áreas do conhecimento.
De acordo com a Política Nacional de Educação Especial, de 1994, são considerados alunos com altas habilidades e/ou superdotação aqueles que apresentam “notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes e capacidade psicomotora.”
Apesar dessas diferentes perspectivas, existe um ponto de consenso: crianças que apresentam desempenho acima do percentil 97 em testes padronizados de inteligência – o que corresponde a um QI igual ou superior a 130 – são oficialmente reconhecidas como superdotadas segundo os critérios utilizados no Brasil.
No entanto, é fundamental ressaltar que a identificação de crianças com altas habilidades ou superdotadas não deve se restringir a testes de QI. O diagnóstico precisa ser abrangente, considerando também avaliações emocionais e comportamentais, conduzidas sempre por uma equipe multidisciplinar especializada. Só assim é possível reconhecer de maneira adequada esses talentos e oferecer o suporte necessário para que eles se desenvolvam de forma plena e saudável.
Superdotação e altas habilidades: as dificuldades por trás da identificação
A Mensa, associação internacional composta por pessoas com QI elevado, estima que cerca de 2% da população mundial possuam altas habilidades ou superdotação. No Brasil, a entidade calcula que o número de pessoas com essas características chegue a 4 milhões.
Apesar dos números expressivos, a identificação oficial ainda é um grande desafio. Isso porque o Brasil não conta com políticas públicas bem estruturadas para o mapeamento adequado de indivíduos superdotados.
Como consequência, a mensuração acaba se limitando ao ambiente escolar, dificultando e atrasando o reconhecimento de jovens talentos – em especial das crianças e adolescentes cujas habilidades que se manifestam fora dos padrões acadêmicos tradicionais. Isso não apenas prejudica o desenvolvimento integral desses alunos, como também impede que a sociedade reconheça e aproveite esses talentos.
Para se ter uma ideia, o Censo Escolar 2024, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), registrou aproximadamente 44 mil estudantes com indicativo de superdotação matriculados nas escolas brasileiras. No entanto, segundo dados da Associação Mensa Brasil, apenas 5 mil pessoas no país possuem o reconhecimento oficial de superdotação – sendo 1,9 mil crianças e adolescentes e 3,1 mil adultos.
O que essa discrepância revela? Que o número real de pessoas com altas habilidades ou superdotação é, muito provavelmente, bem maior do que os dados oficiais conseguem identificar. Somando a ausência de políticas públicas eficazes, a escassez de formação adequada para educadores e a limitação de instrumentos de avaliação realmente abrangentes, como resultado, muitos desses talentos permanecem invisíveis – e, sem o reconhecimento e o suporte adequado, essas crianças e adolescentes acabam tendo seu potencial desperdiçado.
Diante disso tudo, é fundamental que pais, responsáveis, professores e escolas estejam atentos aos sinais que podem indicar que uma criança ou adolescente possui altas habilidades ou superdotação. Afinal, reconhecer essas características desde cedo é o primeiro passo para oferecer o suporte necessário e criar um ambiente estimulante, acolhedor e desafiador, que favoreça o desenvolvimento pleno desses estudantes – tanto no âmbito acadêmico quanto no emocional e social.
Como identificar alunos superdotados
A cartilha Saberes e práticas da inclusão – Desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/ superdotação, elaborada pelo Ministério da Educação por meio da Secretaria de Educação Especial, apresenta uma série de traços e características comumente observados em estudantes com esse perfil.
Vale ressaltar que esses sinais podem auxiliar – e muito! – educadores e famílias na identificação precoce de crianças e adolescentes com indicativo de superdotação ou altas habilidades. Entre as características destacadas pela publicação, estão:
• Grande curiosidade sobre objetos, situações ou eventos;
• Tendência a iniciar atividades por conta própria e a perseguir interesses pessoais;
• Originalidade na expressão oral e escrita, com produção constante de ideias criativas e não convencionais;
• Talento incomum para expressões artísticas, como música, dança, teatro, desenho, entre outras;
• Facilidade em apresentar soluções alternativas para os problemas;
• Capacidade de buscar por soluções para problemas difíceis ou complexos;
• Habilidade de julgamento acima da média, com percepção de implicações e consequências;
• Capacidade de estabelecer conexões entre fatos, informações ou conceitos que, à primeira vista, parecem não estar relacionados;
• Aprendizado rápido e eficaz, especialmente nas áreas que despertam seu interesse;
• Desenvolvimento de interesses e habilidades específicas de maneira aprofundada;
• Preferência por interações com pessoas que tenham nível intelectual semelhante;
• Tédio ou aborrecimento diante da repetição e da rotina;
• Senso de humor altamente desenvolvido;
• Comportamento inquieto, questionador e por vezes considerado “inconveniente” em contextos tradicionais;
• Dificuldade em concluir tarefas escolares quando não se sentem desafiados ou estimulados;
• Entre outras.
Aqui, dois pontos merecem uma atenção especial:
Diferente do que muita gente imagina, nem todos os estudantes com altas habilidades ou superdotação apresentam um bom desempenho escolar. Muitos, inclusive, tiram notas baixas ou demonstram desinteresse pelas aulas por não se sentirem estimulados, ou compreendidos no ambiente escolar.
Uma criança ou adolescente superdotado não precisa, necessariamente, apresentar todas essas características para ser reconhecido como tal.
Educação inclusiva: estratégias para atender – e entender – alunos com altas habilidades e superdotação
Incluir estudantes com altas habilidades ou superdotação no ambiente escolar não significa apenas reconhecê-los. É preciso garantir que suas necessidades específicas sejam atendidas de forma acolhedora, respeitosa e, ao mesmo tempo, desafiadora. Isso exige um compromisso real da escola com uma educação verdadeiramente inclusiva – isto é, que reconheça a diversidade como riqueza, que respeite as diferenças e ofereça oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem de acordo com o ritmo, os interesses e os talentos de cada aluno.
A seguir, reunimos algumas estratégias que podem ser adotadas por educadores e instituições de ensino para promover um ambiente mais inclusivo e estimulante para alunos com altas habilidades ou superdotação. Confira:
1. Adaptação curricular
A flexibilização do currículo é uma das estratégias mais eficazes para atender às necessidades dos alunos com altas habilidades ou superdotação. Isso significa oferecer experiências de aprendizagem mais complexas, instigantes e alinhadas aos interesses e talentos de cada estudante. Isso pode incluir:
• Aprofundamento dos conteúdos já trabalhados em sala de aula;
• Inserção de temas interdisciplinares que estimulem o pensamento crítico e criativo;
• Propostas de pesquisa autônoma ou projetos autorais;
• Atividades com níveis crescentes de desafio, que desenvolvam a autonomia intelectual;
• Exploração de temas avançados ou relacionados à vivência acadêmica e científica.
O objetivo é garantir que esses estudantes se sintam desafiados e motivados. Afinal, quando a escola reconhece o potencial desses alunos e valoriza o ritmo e a profundidade com que aprendem, ela está contribuindo diretamente para o desenvolvimento pleno deles.
2. Projetos extracurriculares
Participar de feiras científicas, competições acadêmicas, oficinas artísticas, programas de iniciação científica ou das Olimpíadas do Conhecimento – como a Olimpíada Brasileira de Matemática, a Olimpíada Brasileira de Linguística, o Torneio Brasileiro de Jovens Físicos e o Torneio Brasil de Robótica – TBR, por exemplo – pode ser bastante motivador para os alunos com altas habilidades.
Essas iniciativas não só permitem que os estudantes expandam seus horizontes, desenvolvam habilidades socioemocionais e estabeleçam novas metas para o seu percurso formativo, como também oportunizam momentos de interação com colegas que partilham dos mesmos interesses e habilidades.
Você sabia que algumas universidades brasileiras realizam trabalhos com grupos de pesquisas através da observação e prática, com estudantes com sinais de habilidades incomuns, a fim de contribuir com o desenvolvimento de estudantes com altas habilidades e ampliar o repertório de literaturas? A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) é uma delas! Será que a universidade da sua cidade pode ajudar a sua escola com essa demanda?
3. Valorização das múltiplas inteligências
Como já vimos, a superdotação não se limita ao desempenho acadêmico tradicional – ela pode se manifestar em diferentes áreas do conhecimento e em diversas formas de expressão. Por isso, é fundamental que a escola adote uma abordagem pedagógica que reconheça e valorize os diversos perfis de inteligência entre os estudantes.
E aqui, neste contexto, é importante falar rapidamente sobre a Teoria das Múltiplas Inteligências, desenvolvida pelo psicólogo cognitivo e educacional norte-americano Howard Gardner. Segundo ele, a inteligência humana não é padronizada, mas sim composta por diferentes capacidades que se desenvolvem de formas distintas em cada indivíduo. De acordo com Gardner, existem 8 tipos principais de inteligência:
• Lógico-matemática.
• Linguística.
• Musical.
• Corporal-cinestésica.
• Espacial.
• Interpessoal.
• Intrapessoal.
• Naturalista.
Reconhecer essas múltiplas formas de inteligência é essencial para criar ambientes escolares mais inclusivos, nos quais cada aluno possa desenvolver seus talentos de maneira integral.
4. Acolhimento emocional e incentivo ao autoconhecimento
Muitas vezes, os estudantes com altas habilidades ou superdotação se sentem incompreendidos e não acolhidos no ambiente escolar. É comum, por exemplo, que eles enfrentem dificuldades de socialização ou se sintam isolados dos colegas – e isso pode gerar quadros de ansiedade, frustração e desmotivação.
Por isso, muito mais que reconhecer o talento desses alunos, é fundamental que a escola promova um ambiente emocionalmente seguro, onde eles possam expressar seus sentimentos, desenvolver vínculos saudáveis e compreender melhor quem são.
Outro ponto fundamental para que o estudante identificado com altas habilidades e superdotação se sinta seguro e motivado, é a valorização e reconhecimento do seu esforço dedicado na realização da atividade proposta e do resultado obtido. Tal postura, tanto por parte da escola ou da família, contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional do aluno, bem como a aquisição de sua maturidade global.
Nesse contexto, o suporte psicológico, o estímulo ao autoconhecimento e iniciativas que reforcem a autoestima são ferramentas indispensáveis.
5. Formação continuada para educadores
Os responsáveis por identificar e diagnosticar uma pessoa com altas habilidades e/ou superdotação são os profissionais da área da saúde (pediatra, neurologista, psiquiatra e neuropsicólogo), assim como para pessoas neurodivergentes.
Investir em capacitações que abordem temas como educação inclusiva, neurodiversidade, altas habilidades, desenvolvimento cognitivo e práticas pedagógicas diferenciadas é essencial para ampliar o repertório dos professores.
A formação constante ainda ajuda a desconstruir os mitos em torno dos alunos superdotados e promover um ambiente escolar mais sensível às particularidades desses estudantes.
Altas habilidades e superdotação: caminhos para uma educação realmente inclusiva
Reconhecer e incluir estudantes com altas habilidades ou superdotação é um compromisso que exige atenção, sensibilidade e conhecimento por parte das famílias, educadores e instituições de ensino. Muito mais que rotular ou isolar esses talentos, trata-se de criar condições para que esses alunos possam florescer e se desenvolver plenamente em sua singularidade – sendo desafiados, acolhidos e compreendidos em suas múltiplas dimensões.
Investir em uma educação verdadeiramente inclusiva significa não apenas atender às necessidades específicas desses estudantes, mas também valorizar a diversidade e promover o desenvolvimento pleno de todos. Afinal, quando a escola reconhece e cultiva os talentos de cada um, todos ganham: o indivíduo, a comunidade e a sociedade como um todo, não é mesmo?!